segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Só de Sacanagem.

Por Elisa Lucinda
Meu coração está aos pulos! Quantas vezes minha esperança será posta a prova? Por quantas provas terá ela que passar?
Tudo isso que está aí no ar: malas, cuecas que voam entupidas de dinheiro. Do meu dinheiro, do nosso dinheiro que reservamos duramente pra educar os meninos mais pobres que nós, pra cuidar gratuitamente da saúde deles e dos seus pais. Esse dinheiro viaja na bagagem da impunidade e eu não posso mais. Quantas vezes, meu amigo, meu rapaz, minha confiança vai ser posta a prova? Quantas vezes minha esperança vai esperar no cais? É certo que tempos difíceis existem pra aperfeiçoar o aprendiz, mas não é certo que a mentira dos maus brasileiros venha quebrar no nosso nariz. Meu coração tá no escuro. A luz é simples, regada ao conselho simples de meu pai, minha mãe, minha avó e todos os justos que os precederam. 'Não roubarás!', 'Devolva o lápis do coleguinha', 'Esse apontador não é seu, minha filha'. Ao invés disso, tanta coisa nojenta e torpe tenho tido que escutar! Até habeas corpus preventiva, coisa da qual nunca tinha visto falar, sobre o qual minha pobre lógica ainda insiste: esse é o tipo de benefício que só ao culpado interessará! Pois bem, se mexeram comigo, com a velha e fiel fé do meu povo sofrido, então agora eu vou sacanear! Mais honesta ainda eu vou ficar! Só de sacanagem!
Dirão: 'Deixe de ser boba! Desde Cabral que aqui todo mundo rouba!
E eu vou dizer: 'Não importa! Será esse o meu carnaval! Vou confiar mais e outra vez. Eu, meu irmão, meu filho e meus amigos.'
Vamos pagar limpo a quem a gente deve e receber limpo do nosso freguês. Com o tempo, a gente consegue ser livre, ético e o escambal.
Dirão: 'É inútil! Todo mundo aqui é corrupto desde o primeiro homem que veio de Portugal!'
E eu direi: 'Não admito! Minha esperança é imortal, ouviram? Imortal!'
Sei que não dá pra mudar o começo, mas, se a gente quiser, vai dar pra mudar o final!

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Anselmo disse adeus...


[...] Matou e morreu; exatamente nessa ordem Anselmo disse adeus: aos fatídicos dias, sim – aos dias que deixavam à mostra suas mazelas –, uma rotina ruminante; sem aparente clemência e sem direito a romaria.
Em seguida a notícia de sua morte, encontrei-me chorando. Digo-lhes, com competência para isso – a morte daquele que desde cedo se matou, escureceu meu dia – eu não esperava que sua morte chegasse assim. Sentirei saudades, porque a juventude é sempre saudosa. Mas lamentarei o desperdício do futuro, a trajetória sem frutos, a estrada vazia... Talvez sua redenção me confortasse: apagaria as dores que sua insanidade causou – Minha mãe, minha irmã, baixem os escudos, pois a morte já é a certeza do amanhã e mesmo depois de acreditar, ainda assim, haverá uma lágrima se não agora, num outro dia perto ou longe daqui – falo como se pedisse indulto ao falecido Anselmo. Pois é! Como podem perceber, este texto é tão pessoal quanto a minha dor – preciso explicar isso – estou tentando falar de uma dor esquisita: lamento a morte de um jovem de 36 anos de idade; ele participou da minha vida; foi meu cunhado durante mais ou menos 13 anos, e ex-cunhado nos últimos 6 anos. Depois que eles acabaram o relacionamento – digo, minha irmã e Anselmo –, nossa família não teve mais contato com ele, somente com os vestígios que ele deixou. Desculpem-me, mas não pretendo dar mais detalhes da participação de Anselmo em nossa família, relatarei apenas a última notícia que chegou: a de sua morte. Ele usava drogas e por isso: minha irmã sofria; minha mãe também; a mãe dele muito mais – meu Deus, a mãe dele, essa sem dúvidas foi quem mais sofreu – enfim, todos os envolvidos sofriam. Quem já conviveu com usuário de drogas, sabe do que estou falando, nesse caso, a morte sempre pareceu secundária a sua própria existência – eles parecem fetos abortados, presos em vidros, como aqueles das feiras de ciências que havia no colegio – se bem, que vocês não saberão ao certo o motivo da morte dele, nem mesmo eu sei. A exatidão que tenho é da vida vã que ele teve, no compasso de seu estigma, durante os anos que participou paralelamente da minha vida, e nesse período sim as drogas eram freqüentes. E é sobre isso que escrevo.

NO COMPASSO DO ESTIGMA

A morte vem lenta, deita.
No compasso do estigma,
Esquece, lembra,
Dorme, acorda.
Ergue, pinta as paredes.

A morte chega, paciência.
Matou e morreu,
Exatamente nessa ordem Anselmo disse adeus.
No compasso do estigma, apagou, acendeu
Ascendeu, apagou
Apagou
Apagou.

- Ouça-me:
A queda sem luta é uma vida sem glória.

Ache a luz, fique em Paz!